Quando no Tejo embarquei
Tinha um xailinho pra frio
Que os mares de sete dias
Desmancharam em novelo
Aqui achei outro rio
E de Bandeira roubei
O primeiro alumbramento
Desbotaram os rosados
De minha face europeia
Amorenei, inteirinha
De menina, virei moça,
Troquei o falar castiço
Por sotaque
Tropical
Arrastado e mestiço.
Se esqueci das amoras?
Das quintas e das latadas
Das fontes, grilos, giestas
Primaveras e outonos?
Passei a colher pitombas
Jambos, mangas, carambolas
E me entreguei à passagem
Às praias, coqueiros, pontes.
Mas a ponta inicial
Daquele fio de lã
Azul e quente da infância
Ficou por certo amarrada
Do outro lado.
Fixa por limos do tempo
Ainda existe, raiz
E insiste
Em meu canto.
Só isso não consegui
Ao passar o Equadro:
De minha alma-guitarra
Fazer um clarim-metal.
Insisto, a culpa é da lã
Aquele fio azulado
Que reteve o meu cantar
Longe, longe
Do outro lado.
Por ele caminham ondas
De atavismo irrecusável
Lírica voz portuguesa.
E em minhas cantigas todas
Por mais que busque alegria
Choro fado
Com certeza.
(In Fio de lã. Recife, 1979 – edição do
Gabinete Português de Leitura)